domingo, 14 de março de 2010

A pisada de Lampião em Sergipe

 Capela

A literatura cangaceirista narra, com uma grande riqueza de detalhes, a visita de Lampião á cidade de Capela, distando esse município, apenas 70km de Aracaju, capital do estado de Sergipe.

A visita indesejável ocorreu no dia 25 de novembro de 1929.

Após visitar e fazer escaramuças na cidade sergipana de Nossa Senhora das Dores/SE, o rei vesgo do cangaço, se apropriou de alguns poucos veículos existentes nesse lugarejo, e junto com sua malta, algo em torno de 15 cangaceiros, se dirigiu a cidade de Capela.

Ao se aproximar dessa última urbe, o rei do cangaço mandou emissário ao então intendente (cargo de Prefeito), Sr. Antão Correia Andrade, conhecido por "Correinha", com o seguinte recado:

"Diga ao major Correinha (irmão do Chefe de Polícia/SE - Dr. Heribaldo Dantas Vieira) que se quizé qui eu entre em paz venha até aqui, se não vié eu entro com bala e a rapaziada ".

Em seguida, partiu o emissário, voltando em companhia do intendente. Após confabulações com seu interlocutor, Lampião entrou na cidade de Capela/SE, por volta das 2h, antes, porém, mandou cortar os fios de comunicação. Os cangaceiros do estado-maior de Virgulino: Moderno, Ezequiel, Arvoredo, Volta Seca, Mourão, Gavião, Zé Baiano e outros valentes, tomaram posição, em pontos estratégicos.

Lampião foi até o " Cinema Municipal de Capela ", acompanhado de alguns cabras, e do intendente. Ao chegarem no local, foi grande o alarido, tendo os espectadores sido dominados pelo pavor, impossibilitados de fugir. Na ocasião estava sendo exibido o filme "Anjo da Rua ", com a atriz Janet Gaynor.


A projeção foi interrompida. O rei do cangaço advertiu a todos que não corressem. Era um cinema simples, com banda de música que tocava no intervalo. Os músicos tocaram com beiços trêmulos, uma valsa triste e desafinada.


Na sala de projeção, avista-se o telegrafista Zózimo Lima, (Foto á esquerda) e previne-lhe de que não dê notícia de sua entrada na cidade, sob pena de ser sangrado. Do cinema, Lampião sempre acompanhado do intendente, e do telegrafista Zózimo foi até a estação da estrada de ferro, utilizando 3 automóveis, dos 4 tomados em Nossa Senhora da Dores.

 Com a chegada do trem, os passageiros começaram a saltar, calmos. Ao saberem da presença do Rei do Cangaço, o desembarque se transformou numa debandada. Um soldado que vinha de Aracaju, foi abordado por Lampião, que arrebatou-lhe o fuzil, tirou as balas e disse que ele tinha sorte, pois se fosse da polícia baiana, o sangraria, ali mesmo.

 Cine Capela
Cortesia de Sérgio Dantas.

Como contribuição, o caolho do cangaço estabeleceu que a cidade contribuiria com a importância de 20 contos de réis. O prefeito, no entanto, salientou que os habitantes de Capela eram pobres, se achavam desprevenidos, estavam atravessando três anos de seca. Nisso, foi atendido, tendo a importância sido reduzida para $6 contos de réis. O próprio chefe de polícia (delegado), Pedro Rocha quem fez a coleta entre os que dispunham de posse. Entregue ao cangaceiro Moderno, esse colocou o montante no bolso, sem contar.

O chefe do cangaço deu ordens a seus subordinados para que andassem livremente pela cidade, mas que ficassem atentos ao apito para a retirada estratégica. Na loja do comerciante Jackson Alves de Carvalho, Lampião adquiriu Roupas, capa de borracha e uma pistola parabellum, sendo dito o seguinte:  
" Eu carrego comigo três coisas: coragem, dinheiro e bala.."



Por onde andavam os cangaceiros eram acompanhados de uma grande legião de admiradores, encantados com as histórias de suas façanhas e vestimentas esquisitas.

Por seu turno, o padre José Cabral esteve com os delinquentes que a ele se curvaram pedindo bênção. Foram aconselhados a deixarem aquela vida. Lampião recebeu das mãos do comerciante Jackson Alves Carvalho, com dedicatória, o livro "Vida de Cristo".

Cerca das 23h, Lampião desejou telefonar para o chefe de polícia da capital (Aracaju), Sr. Heribaldo Vieira. A ligação não pôde ser completada, em face da hora.

Lampião desejou conhecer o "brega" (cabaré) de Capela, pois essa cidade gozava da fama de ter mulheres decaídas bonitas em abundância. Ele foi recebido pela prostituta "Enedina ", a quem obsequiou, após o " coito", com 70 mil réis. Enquanto vadiava, dois cangaceiros davam guarda a entrada e saída do lupanar.

No salão de bilhar (jogo) situado na Praça do Mercado, o Rei vesgo do Cangaço, deixou, em uma das paredes, o seguinte aviso:
Capela - 25-11-29  
Salvi. Eu cap.m Virgolino Ferreira
Lampeão
deixo Esta Lca. para o officiá qui parçar
Em minha perceguição, apois tenho Gosto que
Voceis me persigam. Descupe as letra qui sou
Um bandido como voceis me chama pois eu não
Mereço, Bandido E voceis que andam roubando
e deflorando as famia aleia porem eu não tenho
este costume todos me desculpe a gente a quem odiar ?
Aceite Lças. do meu irmão Ezequiel Vulto Ponto Fino e
do meu cunhado Virginho Vulgo Moderno



Por volta das 03 horas da madrugada, Lampião convocou os demais cangaceiros, com três silvos de apito, tendo deixado Capela, nas mesmas viaturas em que haviam chegado. No caminho, trocaram os automóveis por cavalos. A políca sergipana, na capital, havia sido avisada, mas não conseguiu chegar a Capela, senão às 07 hs da manhã do dia seguinte.

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Um abraço a todos.
IVANILDO SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Natal/RN

4 comentários:

Unknown disse...

Adorei. Sou Capelense e nunca tinha lido nada tao claro sobre a passagem de Lampião por minha cidade. Muito bom mesmo.

Kiko Monteiro disse...

Obrigado Paulo

Esta matéria apesar de ser de março de 2010 foi editada recentemente sendo acrescida de fotos etc.
Mais uma vez obrigado pela visita e incentivo.

Att Kiko Monteiro

Anônimo disse...

Inicialmente os parabéns pelo trabalho.
Quando Lampião chegou a Capela e foi ao cinema, o sr Jackson Alves de Carvalho foi querer conhecer Rei do cangaço. Ao chegar em frente ao cinema perguntou que era o Capitão Virgulino Ferreira? sou eu e agarrando no braço direito do Sr. Jackson, perguntou: e o senhor quem é? ao qual respondeu: Sou Jackson Alves de Carvalho, comerciante. Vamos a sua loja. E foram. Lampião e sr.Jackson e mais cinco cangaceiros. Dentro da loja, Lampião avistou uma pistola Parabellum, cuja caixa de madeira onde era guardada servia de coronha. Pediu para ver de perto, o que foi atendido pelo comerciante. Peguntou quanto custava e esse disse que fora presente de um grande amigo e que não gostaria de vender. Lampião perguntou: quinhentos mil reis paga ? gostei da arma e a queria para mim. O sr. Jackson, dado a insistência resolveu doar a arma. Lampião disse: um home como senhor, não se dá prejuízo. Deu os quinhentos mil reis, pagou o capote colonial. Tirou um punhal de um dos cabras que estava com ele, José Pedro e da própria mão um anel com duas em comprimento e disse. Se alguém atrapalhar o senhor, manda um mensageiro até eu com uma dessas peças, " nois vai inté no inferno buscar a mãe do cão. Sr. Jackson então deu o livro de Cristo, quando ele disse: escreve. Sr. Jackson pôs a dedicatória: " Ao intrépido capitão Virgulino, Jackson Alves de Carvalho, Capela, 29 de novembro de 1929. - Aí está a narrativa de como aconteceu nas compras de Lampião. Depois é que ele foi a estação de trem.

Unknown disse...

Conheci esta história de meu Avô Antão Correa de Andrade por aqui. Parabéns.
Sou Filho de Marcelo Cabral de Andrade e moro hoje em Natal/RN onde também fui prefeito de uma cidade do interior chamada Tangará.
Abraço,
Murilo Cabral