terça-feira, 20 de abril de 2010

Opinião

JAGUNÇO E CANGACEIRO

Por: Severino Coelho Viana


O sertão nordestino caracterizou-se como palco de histórias virulentas, de sangue, de lágrima e de dor. Num cenário que se tivesse sido filmado, o velho oeste talvez não superasse os fatos mitológicos de sua gente.

A partir da metade do Século XIX, a dura realidade do sertão nordestino, onde predominava a intensa miséria, a injustiça social, e, ainda, pela falta de segurança pública, devido à omissão estatal, nasceu uma manifestação retratada pelo banditismo, com as suas várias denominações: cabras, jagunços e cangaceiros.

Essas denominações afeiçoaram os traços típicos do homem valente do sertão onde a lei que prevalecia era a ponta do punhal e a mira da carabina. No entanto, havia uma sutil diferença na forma de origem e atuação de cada espécie de banditismo.

Por exemplo, O CABRA era o sertanejo que, em tempo de paz, como todos os outros agregados que viviam à sombra dos coronéis, arava e cultivava a terra seca e depois rezava para os céus implorando chuva. Quando convocado e, se fosse preciso, entregava a vida pelo coronel.

O JAGUNÇO era um tipo de profissional autônomo, um mercenário a serviço da morte e de quem o contratasse pela melhor oferta.

Servia a um senhor hoje, no outro dia, estava no alpendre do casarão do outro. Enquanto isso, o cangaceiro não aceitava a tutela de nenhum patrão, ainda que ocasional. Agia por conta própria, em proveito de si mesmo. Mas costumava celebrar consórcios estratégicos com os coronéis, baseado numa relação de barganha e compadresco.

Por um lado, O CANGACEIRO recebia abrigo e livre trânsito nos domínios do senhor de terras que o acoitava. Por outro, preservava aquela propriedade de arruaça e dos ataques de terceiros, inclusive de outros salteadores.

O Cangaço já era conhecido desde 1834 e se referia aos indivíduos que andavam armados, com chapéus de couro, carabinas e longos punhais entrançados que batiam na coxa. Levavam as carabinas passadas pelos ombros, tal como um boi no jugo, na canga.

Daí decorreu a designação de Cangaço e dela derivou-se o vocábulo Cangaceiro, para identificar aquele bandido das caatingas nordestinas, que andava sempre fortemente armado.
O fato é que os cangaceiros aterrorizaram o Nordeste, invadiam casas, fazendas e vilas. Chegando nas cadeias, soltavam os presos e prendiam os soldados, estupravam, roubavam, matavam, sangravam sem dó nem piedade.

Ás vezes tornavam-se benfeitores quando distribuiam dinheiro para os pobres, elevando-os à categoria de heroi. O bandido social é, em geral, membro de uma sociedade rural e, por várias razões, encarado como proscrito ou criminoso pelo Estado e pelos grandes proprietários. Apesar disso, continuava a fazer parte da sociedade camponesa de que é originário e é considerado como um herói.

Segundo Dadá, esposa de Corisco, como a milícia usava o mesmo uniforme dos cangaceiros, muita coisa malfeita atribuída ao bando, era culpa da milícia, que punha a culpa em Lampião.Os famosos bailes que o bando promovia nas vilas e cidades, onde se dizia que Lampião fazia as pessoas dançarem sem roupa, era verdade, segundo afirmou a mulher do cangaceiro.

De qualquer maneira, além da constatação nos aspectos: político, social e criminal, os grupos de cangaceiros que infestaram o Nordeste, deixaram seus legados em outros ramos para a vida de todos os brasileiros.

O movimento do cangaço tem uma presença marcante em diversos segmentos da cultura popular do Nordeste brasileiro. As influências podem ser facilmente percebidas, merecendo destaque a literatura pela vasta produção sobre o assunto, tanto romanesca como de cordel, que cuidaram de dar o tom mitológico e místico aos fatos reais.

Mas essas influências não estão restritas ao campo da literatura, elas também aparecem com bastante solidez no teatro, na música, nos grupos de bacamarteiros, na culinária, no artesanato, no cinema, enfim, numa série de manifestações que refletem o cotidiano popular.

O artesanato regional é um forte repositório dos elementos figurativos e representativos do movimento. Em qualquer ponto turístico da Bahia ao Ceará é possível encontrar diversas lembrançinhas que remetem à figura dos cangaceiros.

Outro repositório, as feiras livres que vendem a céu aberto vários utensílios típicos da época e que remontam ao período do banditismo social e a ação dos cangaceiros nos sertões como os típicos chapéus e sandálias em couro, armas brancas como facas e facões, lamparinas, esteiras, chapéus de palha, enfim, uma série de elementos que eram utilizados no dia-a-dia por Lampião e seu bando.

Uma das maiores formas de representação e difusão do cotidiano do cangaço são as quadrilhas juninas, além do famoso xaxado, desde aquelas que apresentam o casal de cangaceiros Lampião e Maria Bonita, até as que trazem no nome referência ao cangaço. Um dos refrões mais conhecidos do grande público:

“Acorda Maria Bonita! Levanta vem fazer o café, que o dia já vem raiando e a polícia já tá de pé.” é presença garantida na maioria das quadrilhas juninas, e mostra como era o dia-a-dia de um grupo de cangaceiros: acordar cedo, preparar algo para comer e logo em seguida sair em fuga para escapar das forças-volantes.

A existência dos elementos representativos do cangaço na cultura popular como observamos, é uma realidade que a todo tempo se mostra presente no nosso dia-a-dia.

Por vezes, é comum que esses detalhes passem despercebidos aos nossos olhos, mas basta observar ao nosso redor e veremos que ainda se mantém viva as tradições e as memórias de Lampião e seus cabras na região, e cabe a pesquisa histórica e principalmente as futuras gerações preservar esse patrimônio tão rico e memorável que são as tradições, as representações, enfim, a cultura popular, maior marca da identidade de um povo.

Como afirmamos no livro de nossa autoria, “Poder da Cidadania”, sobre o tema da criminalidade:

“Registre-se, ainda, que no Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido por cangaço, cuja atuação desenvolveu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, partindo da vingança pessoal à maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além do efeito de contestação ao coronelismo desenfreado”.

"Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear fazendas, vilas, e pequenas cidades, extorquindo dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou sequestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições”.

E continuamos o nosso raciocínio:

“O antigo e autêntico cangaceiro nordestino caracterizava-se pela sua indumentária: roupa de cáqui, chapéu de couro, com as abas quebradas para cima, duas cartucheiras cruzadas no tórax e uma cercada nos quadris, um rifle, uma pistola, um facão afiado, um bornal, um par de sandálias de rabicho, cabelos puxados à brilhantina, cordão de ouro e o pescoço envolto de patuás e vivia no meio das caatingas ressecadas do sertão”.

“Enquanto que o novo e moderno cangaceiro, que atua em todas as regiões, o distintivo é sua vestimenta de etiqueta, paletó, gravata, sapatos macios, relógio de marca, cabelos escovados, frequenta hotéis e restaurantes de cinco estrelas, mansões e palácios, gabinetes e escritórios notórios, utiliza celular, Internet e televisão, municiado de armas de fogo de alto potencial ofensivo, dinheiro depositado em contas secretas no exterior, desvios e gastos excessivos do dinheiro público”.
“Mudou somente o perfil do cangaceiro da antiguidade para o gangster da modernidade”.
E assim a história continuará por séculos e séculos. Só muda quando o próprio homem mudar o seu modo de agir e viver!


*Severino Coelho Viana, é Promotor de Justiça paraibano. CONTATO: scoelho@globo.com Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. 


Açude: Liberdade 96 FM

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