sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Cangaceiro Esperança

Sua prisão e sua herança
Por João de Sousa Lima

Cangaceiro "Esperança" ao centro.

A fazenda Quirino, no povoado São Francisco, Macururé, Bahia, era um  dos coitos do bando de Lampião e principalmente reduto dos cangaceiros nascidos entre Macururé, Brejo do Burgo, Santo Antonio da Glória  e Chorrochó. Entre eles Gavião, Azulão, Esperança, Cocada, Zé Sereno, Zé Baiano e Gato. No povoado São Francisco a mãe de Esperança, dona Andressa, tinha terras por lá, porém ela residia na Várzea da Ema.

O comandante de volante que destacava na Várzea da Ema era Antonio Justiniano e dois dos soldados que ele comandava eram irmãos de Esperança: Vicente, apelidado de Medalha e Ananias. A fazenda pertencia a Ludugero, tio do cangaceiro Esperança.

Ludugero, tio de Esperança, dono da fazenda Quirino.

João e Jovelina Barbosa, irmã do cangaceiro Azulão, 
povoado São Francisco.

Esperança, Cocada, Pancada e Gavião, encontravam-se acoitados próximo ao sítio Quirino. Dentro de um cercado os cangaceiros catavam imbu quando chegou o dono do terreno e Cocada o prendeu e depois o soltou. O sertanejo correu e foi avisar policia do encontro que teve com os cangaceiros.
   
Dona Andressa sempre que precisava ir ver suas criações no São Francisco tinha que pedir autorização ao comandante do destacamento e foi em uma dessas viagens que ela travou diálogo com o contratado Reginaldo que lhe sugeriu pedir para que Esperança se entregasse que nada lhe aconteceria, de preferência que ele trouxesse a cabeça de um companheiro que sua vida tava garantida. Andressa levou o recado ao filho que mesmo relutante acabou cedendo aos apelos da querida mãe. Reginaldo mandou roupas novas de mescla azul para Esperança. O cangaceiro ainda relutante disse a mãe que não tinha coragem de se entregar e a mãe saiu triste.
   
Era março de 1933, no coito encontrava-se Esperança, Cocada, Gavião e Pancada.  Esperança chamou Cocada para irem pegar água em um caldeirão ali próximo. Os dois seguiram na direção do caldeirão. Diante quando chegaram ao caldeirão sentaram-se e ficaram conversando. Cocada limpou sua arma e depois pediu a arma do amigo para ele limpar e Cocada entregou seu mosquetão. Esperança limpou, colocou uma bala na agulha e detonou. O cangaceiro com o impacto do tiro caiu uns dois metros de distância e sem saber de onde tinha partido o disparo pediu socorro:
- Me acode Esperança, não deixe os “MACACOS” me matar!
Esperança pegou o facão da marca jacaré, partiu na direção do moribundo e o degolou ainda com vida. Pegou os bornais, armas, a cabeça do cangaceiro e foi se entregar a policia.

 Cabeça do Cangaceiro Cocada,
morto pelo "colega" Esperança

Na Várzea da Ema ele se entregou  as autoridades, contou detalhes da morte que fez, denunciou os coitos dos cangaceiros na região. Com dez dias  depois  foi encaminhado para a cidade de Uauá, onde o capitão Manoel Campos de Menezes que o livrou da prisão e o incorporou na volante policial do tenente Santinho como contratado . Ficou sendo o corneteiro do grupo. Trabalhou em Jeremoabo e faleceu tempos depois na cidade de Juazeiro, Bahia.

Ainda na prisão em Várzea da Ema.

O cangaceiro Esperança quando preso, já atendendo agora por Mamede, seu nome real, encontrou o com o jovem sobrinho José  Gonçalves Varjão, apelidado de Pororô e lhe confidenciou que na frondosa árvore lateral a casa de sua família, enterrado próximo ao seu tronco, tinha um material guardado e que ele tirasse e entregasse a seu pai. Pororô procurou ao redor da árvore mais diante da pouca idade não encontrou forças para continuar a empreitada de escavação no duro chão de cascalhos.

O tempo passou, Pororô cresceu e retornando certo dia de uma caçada, quando se aproximava de sua velha residência, viu quando seu cachorro passou acuando um preá, o cachorro parou próximo a antiga e frondosa árvore, Pororô se aproximou e viu o cão rosnando e olhando para um pé de macambira, Pororô tirou a cactácea e avistou uma lajota cobrindo um buraco, tirou a pedra, o preá correu com o cachorro latindo atrás, Pororô puxou um tecido em farrapos que cobriam algumas peças, entre elas: Uma colher de prata, 160 cartuchos de fuzil, um punhal, uma espora e algumas moedas.

 Colher de prata de Esperança 
presenteada ao escritor João de Sousa Lima pelo sobrinho do cangaceiro.

Era esse o tesouro de Esperança que ele havia pedido para o sobrinho guardar. Pororô vendeu os cartuchos a um dos prefeitos de Macururé. A colher de prata, algumas moedas, o punhal e uma das esporas ele me presenteou. Na colher encontramos as letras: MA. Talvez o cangaceiro tenha tentado escrever seu verdadeiro nome: MAMEDE. No punhal tem um “NA” ou “NH”.

Detalhe do cabo do punhal de Esperança

Pororô ainda reside e seu irmão Izidoro ainda residem no São Francisco e os Quirino é herança que ficou com a família. Aquele longínquo pedaço de chão ainda guarda as histórias do cangaço vivido em suas terras, memórias ainda latentes de um tempo que teima em não ser esquecido e nem deve....

João de Sousa Lima ladeado por Izidoro e José Pororô
Sobrinhos de Esperança.

Segue em anexo a esse texto uma das cartas de interrogatórios realizados pela polícia e que mostra a importância desses lugares citados com a história do cangaço e a referência com pessoas da localidade. A carta vai transcrita na integra com os erros e incorreções:
“Aos três do mês de maio de 1932, no arraial de Várzea da Ema em casa de residência do segundo tenente Antonio Justiniano de Souza, sub delegado de policia, foi interrogado o bandido acima referido que disse:
   
“Em 1929, estando ele bandido, em seu rancho no lugar denominado São Francisco, foi surpreendido pelo grupo de Lampião que ali chegava a mando do Cel. Petronílio de Alcântara Reis, para que fosse as imediações do Icó e ali receber dinheiro enviado para Lampião, cuja importância era 20:000$000, mas só foram entregues 18:000$000 e que dois restantes Lampião disse que dava por recebido, quando lhe mandasse um cunheito de munição; o que não sabe-se se isso efetuou-se,  mais depois ouviu do bandido ferrugem a declaração de que teve referido Cel. Petronilio havia comprado munição. E que devido a esse encontrão foi ele depoente obrigado a refugiar-se nas Caatingas, pois as forças andavam a sua procura tendo por isso de quando em vez constantes encontros com os cangaceiros, merecendo do mesmo consideração a ponto de lhe ser entregue por “Lampião” um rifle com cem cartuchos, os quais conservou até a data de sua prisão, não tendo, porém feito uso da dita arma para a prática de crime.
 
 Sargento Otávio Farias, radiotelegrafista da policia baiana.
Serviu na Várzea da Ema, sempre enviava as mensagens contando os combates 
dos cangaceiros contra as volantes.
Que sempre foi seduzido por “Lampião”  para fazer parte do seu grupo, mas nunca aceitou, apesar de ter parente no grupo, como sejam: Azulão, Carrasco e Moita Brava. Que esses encontros se efetuavam no lugar denominado Quirino para Lagoa Grande, sendo os sinais convencionados para os referidos encontros, três  pancadas em um pau seco, ou então berrando como boi; que nunca recebeu dinheiro de “Lampião” a não ser algumas roupas dadas pelos cãibras.
   
Que nos últimos encontros que “Lampião” teve com as tropas. Ele respondendo notou que alguns companheiros estavam desgostosos por verem os sacrifícios da causa, que nessa data viajaram nos “cascalhos” das aroeiras com direção a Várzea pernoitando a três quilômetros de distância.
   
Que nessa mesma noite desligou-se do bando a meia noite com Manoel Sinhô de Aquileu, sem que fossem pressentidos pelos outros e vieram pairar nas “Canouas” onde foram informados por Pedro de Aquileu que havia garantia para todos aqueles que tinham ligações com cangaceiros, uma vez que procurassem as autoridades para se entregarem.
   
E baseado nisso em companhia de Pedro veio à procura do Tenente Justiniano em Várzea de Ema onde se acha. Disse mais que “Lampião” depois do combate do touro com o Tenente Arsênio cuja força foi emboscada e morreu quase toda, escapando o referido oficial, pois é um herói que enfrentou o grupo que era numeroso, com um fuzil metralhadora dando somente três rajadas conseguiu matar o irmão de Lampião, Ponto Fino e sendo forçado a abandonar a arma deixando-a inutilizada pelos bandidos.
    
 Tenente Arsênio Alves de Souza
Acervo Lampião Aceso
Que nessa ocasião encontrou Lampião cartas ao Cel. Petronilo acusando Lampião, por isso Lampião resolveu queimar algumas fazendas referido Cel. Petronilo.
   
Disse mais que ouviu de Lampião dizer que tinha mil tiros de fuzil enterrados em um ponto lá para baixo, não declarado ao certo o lugar e que ia também a Curaçá a procura de outros mil tiros que tinha para lá.
Quanto ao armazenamento sabe que Lampião tem alguns  rifles ensebados em ocos de pau (ensebados, para não darem o bicho próprio de madeira).
   
Perguntado quais são as pessoas que fornecem armas a Lampião respondeu que não conhece mais sabe que nas fazendas Juá, Várzea, e São José há “coitos” onde lhes prestam bastante serviços em abastecimentos.
   
E por nada mais dizer nem lhe ser perguntado deu-se por findo estas declarações ao presente auto que vae por todos assignados pelo tenente e testemunhas.

Várzea da Ema, 7 de maio de 1932”

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Pessoal.

Nosso amigo João de Sousa Lima, de vez em quando nos surpreende com novidades sobre coisas ligadas ao cangaço. Dessa vez ele nos trás novidades sobre o cangaceiro Esperança. Sem querer diminuir ou ofender a ninguém, hoje o João é o único pesquisador que realmente faz pesquisa de campo com profundidade sobre o cangaço. Além disso, o João não guarda segredo sobre suas descobertas. Muito devemos a esse moço, pois, quando ele torna público o descobrimento dessas pessoas que participaram ou tiveram envolvimento no cangaço, ele está enriquecendo nossos arquivos e nossos conhecimentos.

Obrigado amigo João.

Abraço a todos

Sabino Bassetti

Anônimo disse...

Minha dúvida: O que a colher de prata fazia nos pertences de
Esperança? Testar comida envenenada, conforme fontes orais e escritas indicam que Lampião utilizava ou simplesmente para se alimentar? Estranho...andar com colher de prata. inclusive citando os tipos de venenos mais usuais nos tempo lampiônico, que é o cianureto de potássio, estricnina e arsênio, posso te adiantar que a colher de prata existiu, inclusive o Ivanildo é testemunha de sua existência, sendo que ela se encontra no museu em SE, se não me falha a memória. Entretanto, minha hipótese inicial, em termos de processo físico químico que se diz dela, isto é, que a dita colher oxidava com a presença de veneno é mito, pretendo mostrar por meio deste estudo que venho fazendo, ainda não concluso, desta impossibilidade, penso que Virgolino a usava apenas como dispositivo de controle ou ele mesmo acreditava nessa possibilidade, veja que o cabra acima tb acreditava nesta reação química. Portanto minha questão de investigação é a seguinte: Lampião utilizava a colher de prata como dispositivo de controle/poder em seus coiteiros ou/e acreditava no poder de detecção da prata? Quando concluir certamente a comuna será a primeira, a saber, dos resultados de meus experimentos.

Geziel Moura
Belém,PA

ELOI GOUVEIA disse...

BOA NOITE MEU BISAVÔ SE CHAMAVA JOAQUIM LUDUGERO ERA CANGACEIRO ESTIVE A POUCO EM PERNAMBUCO E CONHECI UM POUCO DA HIST´RIA SOUBE QUE ERA CANCACEIRO SERÁ ESTE ???ESPERANÇA?

CARLOS disse...

Sim